sexta-feira, 13 de maio de 2016

Calvinismo Moderado: Augustus H. Stong (1836-1921): Calvino e a Extensão da Expiação

Calvinismo Moderado: Augustus H. Stong (1836-1921): Calvino e a Extensão da Expiação

A. W. Tozer


A. W. Tozer – O Profeta do Séc. XX

X.
Penso que a minha filosofia seja esta: tudo está errado até que Deus endireite.”; Esta afirmação de A. W. Tozer resume perfeitamente a sua crença e o que ele tentou realizar durante os seus anos de ministério. A sua pregação e os seus livros concentraram-se inteiramente em Deus. Ele não tinha tempo para mercenários religiosos que inventavam novas formas para promover as suas mercadorias e subir nas estatísticas. Tozer marchou ao ritmo de uma batida diferente e, por esta razão, normalmente não acompanhava os passos de muitas das pessoas que participavam de desfiles religiosos.
No entanto, foi esta excentricidade cristã que nos fez amá-lo e apreciá-lo. Ele não tinha receio em apontar o que era errado. Nem hesitou em dizer como Deus poderia endireitar todas as coisas. Se é que um sermão pode ser comparado à luz, então, A. W. Tozer emitia raios laser do púlpito, um feixe de luz que penetrava o nosso coração, exauria a nossa consciência, expunha os nossos pecados e fazia-nos clamar: “O que devo fazer para ser salvo?”; A resposta era sempre a mesma: entregar-se a Cristo; procurar conhecê-lo de forma pessoal; crescer para tornar-se como Ele.
As suas mensagens, para alguns, estão ultrapassadas. Acatá-las seria nadar contra a maré do modernismo. Os velhos conheciam Tozer; mas, muitos se esqueceram dele. É possível que os jovens nunca tenham ouvido falar de tal homem.
A onda hoje é guerra espiritual e uma teologia mais liberal, um atalho mais rápido, descartando a obra da cruz. Tozer incomoda. Ele destrói nossos castelos e ameaça nosso “sucesso” religioso. Muitos desvios espirituais hoje em dia poderão ser evitados se ouvirmos a voz de Deus por meio deste profeta.
Aiden Wilson Tozer nasceu em Newburg (naquele tempo conhecida como La Jose), Pensilvânia, Estados Unidos, de Abril de 1897. Em 1912, sua família deixou a fazenda e foi para Akron, Ohio; e, em 1915, ele converteu-se a Cristo. No mesmo instante passou a levar uma vida fervorosa de devoção e testemunho pessoal. Em 1919, começou a pastorear a Alliance Church, em Nutter Fort, West Virginia. Também pastoreou igrejas em Morgantown, West Virginia; Toledo; Ohio; Indianapolis, Indiana; e, em 1928, foi para a Southside Alliance Church, em Chicago. Ali, ministrou até Novembro de 1959, quando tornou-se pastor da Avenue Road Church, em Toronto, no Canadá. Um ataque cardíaco, em 12 de Maio de 1963, pôs fim àquele ministério, e Tozer foi chamado para a Glória.Tozer alcançou um número maior de pessoas por intermédio das suas obras do que pelas suas pregações.
Grande parte do que escreveu reflectia-se na pregação de pastores que alimentavam a alma com as palavras de Tozer. Em Maio de 1950, foi nomeado editor de The Alliance Weekly, agora conhecida como The Alliance Witness, que provavelmente foi a única revista religiosa a ser adquirida graças, sobretudo, aos seus editoriais. Certa vez, o Dr. Tozer, numa conferência na Evangelical Press Association (Associação da Imprensa Evangélica), censurou alguns editores que praticavam o que ele chamava de “jornalismo de supermercado; duas colunas de propagandas e uma nota de material para leitura”. Era um escritor exigente e tão duro consigo mesmo quanto com os outros.
O que há nas obras de A. W. Tozer que nos prende a atenção e nos cativa? Primeiro, ele Tozer escrevia com convicção.
Não estava interessado nos cristãos superficiais de Atenas que estavam à procura de algo novo. Tozer mergulhou novamente nas antigas fontes e chamou-nos de volta às veredas do passado, tendo plena convicção das verdades que ensinava e colocando-as em prática.
Tozer era um Cristão místico numa época pragmática e materialista. Ele ainda nos convida a ver aquele verdadeiro mundo das coisas espirituais que transcendem o mundo material que tanto nos atraem. Suplica para que agrademos a Deus e nos esqueçamos da multidão. Ele implora-nos para adorarmos a Deus de modo a nos tornarmos mais parecidos com Ele. Como esta mensagem é desesperadamente necessária nos nossos dias!
A. W. Tozer recebeu a dádiva de compreender uma verdade espiritual e erguê-la à luz para que, como um diamante, cada faceta fosse observada e admirada. Ele não se perdeu nos pântanos da homilética; o vento do Espírito soprava e os ossos mortos reviviam. As suas obras eram como graciosas pedras preciosas cujo valor não se avalia pelo seu tamanho. A sua pregação caracterizava-se pela intensidade espiritual que penetrava no coração do ouvinte e o ajudava a ver Deus. Feliz é o cristão que possui um livro de Tozer à mão quando a sua alma está sedenta e sente que Deus está longe.
Tozer, nas suas obras, entusiasma-nos tanto sobre a verdade que nos esquecemos de Tozer e tratamos de pegar na Bíblia. Ele mesmo dizia sempre que o melhor livro é aquele que faz o leitor parar e pensar por si mesmo. Tozer é comoum prisma que concentra a luz e depois revela a sua beleza.
Eis duas das suas frases que nos deve fazer pensar seriamente nos dias actuais:
“O cristianismo de hoje não transforma as pessoas. Pelo contrário, está sendo transformado por elas. Não estáelevando o nível moral da sociedade; está descendo ao nível da própria sociedade, congratulando-se com o facto de que conseguiu uma vitória, porque a sociedade está sorrindo enquanto o cristianismo aceita a sua própria rendição!”
“Existe uma maldição antiga que permanece connosco até hoje – a disposição da sociedade humana de sercompletamente absorvida por um mundo sem 

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Sinergismo vs. Monergismo

Sinergismo vs. Monergismo

Pergunta: “Sinergismo vs. Monergismo – qual visão é correta?”
Resposta: Este tópico tem sido debatido na Igreja durante séculos. Não é exagero dizer que este debate diz respeito ao coração do próprio evangelho. Primeiro, vamos definir os dois termos. Quando falamos sobre Monergismo vs Sinergismo, teologicamente falando, estamos falando de quem realiza a nossa salvação. O Monergismo, que vem de uma palavra composta grega que significa “trabalhar sozinho”, é a visão de que só Deus realiza a nossa salvação. Este ponto de vista é defendido principalmente pelas tradições calvinistas e reformadas e está intimamente ligado ao que é conhecido como as “doutrinas da graça”. O Sinergismo, que também vem de uma palavra composta grega que significa “trabalhar juntos”, é a visão de que Deus trabalha conosco na realização da salvação. Enquanto o Monergismo é intimamente associado com João Calvino, o Sinergismo é associado com Jacó Armínio, e suas visões têm grandemente influenciado a moderna paisagem evangélica. Calvino e Armínio não são os criadores destes pontos de vista, mas são os defensores mais conhecidos do Calvinismo e Arminianismo.
Estes dois pontos de vista foram fortemente debatidos no início do século 17 quando os seguidores de Armínio publicaram Os Cinco Artigos da Remonstrância, um documento declarando como a sua teologia difere da de Calvino e seus seguidores. O ponto central neste debate é entre a doutrina calvinista da eleição incondicional contra a doutrina arminiana da eleição condicional. Se alguém acredita que a eleição é incondicional, então a tendência é uma visão monergista da salvação. Por outro lado, se alguém acredita que a eleição se baseia na presciência de Deus de quem iria acreditar nele, então a tendência é aderir à visão sinérgica.
O ponto de vista da eleição incondicional é declarado na Confissão de Fé de Westminster: “Segundo o seu eterno e imutável propósito e segundo o santo conselho e beneplácito da sua vontade, Deus, antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa” (WCF III.5, ênfase adicionada). Como podemos ver, a eleição incondicional ensina que a escolha de Deus dos eleitos é baseada no beneplácito de sua vontade e nada mais. Além disso, a Sua escolha na eleição não se baseia em Sua previsão da fé ou boas obras de uma pessoa, muito menos na perseverança daquela pessoa na fé ou boas obras.
Duas clássicas passagens bíblicas apoiam esta doutrina. A primeira é Efésios 1:4-5: “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade”. De acordo com esta passagem, fomos escolhidos por Deus para sermos em Cristo -santos e irrepreensíveis – antes do mundo ser criado, e esta escolha foi baseada no “beneplácito de sua vontade.” A outra passagem encontra-se em Romanos 9:16: “Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que usa de misericórdia”. A escolha de Deus não é dependente de qualquer coisa que façamos ou em que acreditemos, mas é feita exclusivamente a critério da misericórdia de Deus.
A essência do Calvinismo e do argumento monergístico é que Deus tem o propósito de realmente salvar as pessoas e não apenas fazê-las capazes de serem salvas. Porque todas as pessoas nascem em pecado e por causa de sua natureza caída (depravação total), sempre rejeitarão a Deus; portanto, Deus deve agir em salvar os eleitos sem qualquer pré-condição (como a fé) da sua parte. A fim de conceder as bênçãos da salvação e vida eterna aos eleitos, Deus deve primeiro expiar os seus pecados (expiação limitada). Esta graça e salvação devem então ser aplicadas aos eleitos e, portanto, o Espírito Santo aplica-lhes os efeitos da salvação, regenerando os seus espíritos e atraindo-os para a salvação (graça irresistível). Finalmente, aqueles a quem Deus salvou Ele vai preservar até o fim (perseverança dos santos). Do início ao fim, a salvação (em todos os seus aspectos) é uma obra de Deus, e somente Deus – Monergismo! O que importa é que pessoas estão realmente sendo salvas – os eleitos. Considere Romanos 8:28-30. Nesta passagem podemos ver que há um grupo de pessoas a quem Deus “chama segundo o seu propósito.” Essas pessoas são identificadas como “aqueles que amam a Deus.” Essas pessoas são também aquelas que nos versículos 29-30 são pré-conhecidas, predestinadas, chamadas, justificadas e glorificadas. Deus é o único que está movendo esse grupo de pessoas (aqueles que amam a Deus, os eleitos) da presciência à glorificação, e nenhuma é perdida ao longo do caminho.
Em apoio ao argumento sinérgico, vamos voltar nossa atenção aos Cinco Artigos da Remonstrância: “Que Deus, por um eterno e imutável plano em Jesus Cristo, seu Filho, antes que fossem postos os fundamentos do mundo, determinou salvar, de entre a raça humana que tinha caído no pecado – em Cristo, por causa de Cristo e através de Cristo – aqueles que, pela graça do Santo Espírito, crerem neste seu Filho e que, pela mesma graça, perseverarem na mesma fé e obediência de fé até o fim; e, por outro lado, deixar sob o pecado e a ira os incorrigíveis e descrentes, condenando-os como alheios a Cristo, segundo a palavra do Evangelho de João 3.36 e outras passagens da Escritura” (Artigo I, ênfase adicionada). Aqui vemos que a salvação é condicional à fé e perseverança do indivíduo. O que a eleição condicional faz é colocar o fator determinante da nossa salvação diretamente em nós, em nossa capacidade de escolher Jesus e permanecer nEle. Sendo assim, os arminianos vão alegar que a nossa capacidade de escolher Jesus é o resultado de uma graça universal que Deus primeiro dá a todas as pessoas para compensar pelos efeitos da queda e permitir ao homem escolher aceitar ou rejeitar a Cristo. Em outras palavras, Deus tem que fazer algo para fazer a escolha de salvação possível, mas, no final, é a nossa escolha que nos salva. A referência bíblica que o artigo I fornece certamente afirma que aqueles que acreditam têm a vida eterna, e que aqueles que rejeitam não têm a vida eterna, por isso parece que há algum apoio bíblico para esta doutrina. Assim, o argumento sinérgico afirma que Deus faz a salvação possível, mas é a nossa escolha que torna a salvação real.
Assim, enquanto o Monergismo reivindica que Deus é uma condição tanto necessária quanto suficiente para a nossa salvação, o Sinergismo concorda que Deus é uma condição necessária, mas nega a Sua suficiência. O nosso livre-arbítrio e a vontade de Deus são o que o torna suficiente. Logicamente falando, devemos ser capazes de ver a falha no argumento sinérgico – que Deus realmente não salva ninguém. Isso coloca a responsabilidade para a salvação em nós porque nós é que temos que tornar verdadeira a salvação ao colocar a nossa fé em Cristo. Se Deus realmente não salva ninguém, então é possível que ninguém será salvo. Se Deus realmente não salva ninguém, como explicar passagens fortes como Romanos 8:28-30? Todos os verbos gregos nessa passagem são aoristos/ indicativos, o que significa que a ação descrita é completa, não há uma potencialidade implícita nessa passagem. Da perspectiva de Deus, a salvação tem sido efetuada. Além disso, o artigo IV da Remonstrância diz que a graça de Deus é resistível, e o artigo V afirma que aqueles que escolheram a graça de Deus também podem se separar dessa graça e “abraçar o presente mundo”, então “negligenciando a graça”. Este ponto de vista contradiz o ensino claro da Escritura a respeito da segurança eterna do crente.
Se for esse o caso, então como é que respondemos ao apoio bíblico para a eleição condicional (cf. João 3:36)? Não há como negar que a fé é necessária para tornar a salvação um “acordo fechado” em nossas vidas, mas em que lugar ela se encontra na ordem da salvação (Ordo Salutis)? Mais uma vez, se considerarmos Romanos 8:29-30, vemos uma progressão lógica da salvação. A justificação, que normalmente está em vista quando se considera a salvação pela fé, é a quarta na lista, sendo precedida por presciência, predestinação e chamado. Esse chamado pode ser dividido em o seguinte: a regeneração, o evangelismo, a fé e o arrependimento. Em outras palavras, o “chamado” (conhecido como “vocação eficaz” por teólogos reformados) primeiro deve envolver nascer de novo pelo poder do Espírito Santo (João 3:3). Em seguida, vem a pregação do evangelho (Romanos 10:14-17), seguido pela fé e arrependimento. No entanto, antes de que qualquer coisa possa ocorrer, a presciência e predestinação devem preceder.
Isto leva-nos à questão da presciência. Os arminianos vão alegar que a presciência se refere a Deus conhecendo de antemão a fé dos eleitos. Se for esse o caso, então Deus nos elegendo não é mais baseado no “bom propósito da sua vontade”, mas sim em nosso poder de escolhê-lo, apesar da nossa condição caída, que, de acordo com Romanos 8:7, é inimiga de Deus e incapaz de o fazer. A visão arminiana da presciência também contradiz o ensino claro das passagens mencionadas acima em apoio à eleição incondicional (Efésios 1:4-5 e Romanos 9:16). Este ponto de vista essencialmente rouba Deus de sua soberania e coloca a responsabilidade para a salvação sobre os ombros de criaturas que são totalmente incapazes de salvar a si mesmas.
Em conclusão, o peso da evidência lógica e o peso da evidência bíblica apoiam a visão monergista da salvação – Deus é o autor e consumador da nossa salvação (Hebreus 12:2). Aquele que começou a boa obra em nós vai completá-la no dia de Cristo Jesus (Filipenses 1:6). O Monergismo não apenas tem um impacto profundo sobre como se enxerga a salvação, mas como se enxerga o evangelismo também. Se a salvação for baseada exclusivamente na graça salvadora de Deus, então não há espaço para nos orgulhar, e toda a glória vai para Ele (Efésios 2:8-9). Além disso, se Deus realmente salva as pessoas, então nossos esforços evangelísticos devem dar frutos porque Deus prometeu salvar os eleitos. O Monergismo resulta em maior glória a Deus!

O que é um Fundamentalista (Ideal)?

O que é um Fundamentalista (Ideal)?

O que é um Fundamentalista (Ideal)?
por
Kevin T. Bauder
1) Fundamentalistas reconhecem que todas as doutrinas são importantes. Se a Bíblia ensina, vale a pena estudar e conhecer. Se Deus disse isto, o mesmo merece nossa cuidadosa atenção.
(2) Fundamentalistas afirmam que algumas doutrinas são mais importantes do que outras. Nem todo ensino da Bíblia é de igual alcance em seus efeitos. Enquanto todos são importantes, alguns estão mais ao centro enquanto outros se encontram na periferia da fé cristã.
(3) Fundamentalistas insistem que algumas doutrinas são tão importantes que são essenciais ao evangelho em si. Negar estas doutrinas é (pelo menos implicitamente) negar o evangelho. Negar o evangelho é transformar o cristianismo em alguma outra religião. Essas doutrinas essenciais estão no miolo, no centro, da fé cristã. Elas são o mínimo irredutível sem o qual não pode existir cristianismo.
(4) Fundamentalistas crêem que comunhão cristã é definida pelo próprio evangelho. Aqueles que negam o evangelho não devem ser reconhecidos como cristãos. Aqueles que negam o evangelho, ao condenar alguma doutrina essencial, não estão aptos para a comunhão cristã. Com tais pessoas, nenhuma comunhão cristã existe. Fingir que podemos desfrutar de comunhão cristã com tais pessoas é tão-somente ser hipócrita. Estender o reconhecimento cristão – particularmente reconhecer como líderes cristãos – a tais pessoas é desprezar o evangelho e enganar o povo de Deus.
(5) Fundamentalistas insistem que irmãos que desprezam o evangelho e enganam o povo de Deus são culpados de grave erro e deveriam ser removidos da posição de liderança cristã. Se tais pessoas não podem ser removidas da liderança , ainda assim os cristãos bíblicos tem a obrigação de não endossar ou apoiar as pessoas, organizações, e atividades que obscurecem a importância do evangelho e enganam o povo cristão, mas ao invés disto reprovar os tais.

Heresias primitivas: “Os Ismos”

Heresias primitivas: “Os Ismos”

Olá leitores e amigos, hoje vamos combater nossa fé cristã e abordar maus um assunto de seitas e heresias. O penúltimo livro da Bíblia, que é uma das menores cartas do Novo testamento, escrita por Judas, oferece-nos suficientes subsídios que bem explica a necessidade e urgência da Apologia Cristã. Tal epístola veio refutar o erro que sutilmente levava as igrejas gentílicas a tolerarem falsos ensinamentos a cerca da graça de Deus. A linguagem enérgica, exortou o povo a batalhar pela fé (v3) – não somente por argumentos, mas também em demonstração de uma vida reta e pura.
Diante ao exposto reuni aqui as escolas de pensamento filosófico mais conhecidas, e as suas falsas filosofias, no intuito de mostrar ao leitor uma síntese do esforço inútil do homem através dos séculos no propósito de adquirir a sua própria salvação ou redenção. O mais importante é que essas escolas de pensamento fornecem às falsas religiões e seitas o material necessário à sua pregação.
A palavra seita provém do latim secta (de sequi, que significa seguir), uma ideologia ou modo de vida segmentado e comportamental ou filosófico de um grupo. Em seguida algumas heresias primitivas que deram início a muitas seitas:
Agnosticismo – O vocábulo ing. agnosticism foi forjado em 1869 por Thomas H. Huxley, calcado, por oposição ao gnosticismo, no adjetivo gr. ágnõstos, “ignorante, incogniscível”. Filosofia naturalista e afeita às coisas e relações da ciência experimental. “É o sistema que ensina que não sabemos, nem podemos saber se Deus existe ou não. Dizem: a mente finita não pode alcançar o infinito. Ora, não podemos abarcar a terra, mas podemos tocá-la! (I João 1.1). A frase predileta do Agnosticismo é: “Não podemos crer”. Um resumo de seu ensino é o seguinte: o ateísmo é absurdo, porque ninguém pode provar que Deus não existe. O teísmo não é menos absurdo, porque ninguém pode provar que Deus existe. Não podemos crer sem provas evidentes. Mentores do Agnostícismo: Huxley, Spencer e outros. Estão todos puramente enganados, porque Deus é facilmente compreensível pela alma sequiosa, honesta e constante. Ler Romanos 1 .2O”. (Introdução à Heresiologia)
Animismo – Uma das características do pensamento primitivo, que consiste em atribuir a todos os seres da natureza uma ou várias almas. Segundo Edward Burnett Tylor (1832-1917) é também toda a doutrina de índole espiritualista, em oposição ao materialismo. Essa teoria considera a alma como a causa primária de todos os fatos.
Ascetismo – Teoria e prática da abstinência e da mortificação dos sentidos. Tem como objetivo assegurar a perfeição espiritual, submetendo o corpo à alma. Há ainda o ascetismo natural (busca da perfeição por motivos independentes das relações do homem com Deus) que foi praticado pela escola pitagórica. É muito praticado pelas religiões e seitas orientais.
Ateísmo – Teoria que nega a existência de um Deus pessoal. Desde a Renascença, o termo passou a indicar a atitude de quem não admite a existência de uma divindade. Chamam-se ateus os que não admitem a existência de um ser Absoluto, dotado de individualidade e personalidade reais, livre e inteligente.
Ceticismo – Se caracteriza por uma atitude antidogmática de indagação, que torne evidente a inconsistência de qualquer posição, definindo como única posição justa a abstenção de aceitá-las. Foi fundada por Pirro, filósofo grego em 360 a.C. Ensina que visto que só as sensações, instáveis ou ilusórias, podem ser a base dos nossos juízos sobre a realidade, deve-se praticar o repouso mental em que há insensibilidade e em que nada se afirma ou se nega, de modo a atingir a felicidade pelo equilíbrio e a tranqüilidade. Tais pessoas não vivem, vegetam…
Deísmo – O deísmo distingue-se radicalmente do teísmo. Para o teísmo, Deus é o autor do mundo, entidade pessoal revelada aos homem, dramaticamente, na história. Para o deísmo, Deus é o princípio ou causa do mundo, infuso ou difuso na natureza, como o arquiteto do universo. Elaborado dentro do contexto da chamada religião natural, cujos dogmas são demonstrados pela razão, o conceito deísta de Deus pode confundir-se com o conceito de uma lei, no sentido racional-natural do termo. Trata-se do Deus de todas as religiões e seu conceito não está associado às idéias de pecado e redenção, providência, perdão ou graça, considerados “irracionais”. É antes um Deus da natureza do que um Deus da humanidade e, como um eterno geômetra, mantém o universo em funcionamento, como se fosse um relógio de precisão. O deísmo surgiu dentro do contexto dos primórdios do racionalismo sob a influência de Locke e Newton. Voltaire, um dos maiores contestadores da Bíblia dos últimos tempos, era deísta.
Dualismo – Em sentido técnico rigoroso, dualismo significa a doutrina ou o sistema filosófico que admite a existência de duas substâncias, de dois princípios ou de duas realidades como explicação possível do mundo e da vida, mas irredutíveis entre si, inconciliáveis, incapazes de síntese final ou de subordinação de um ao outro. No sentido religioso são também dualistas as religiões ou doutrinas que admitem duas divindades sendo uma positiva, princípio do bem, e outra, sua oposta, destruidora, negativa, princípio do mal operando na natureza e no homem. Descartes (1596-1650) é quem estabelece essa doutrina no campo da filosofia moderna.
Ecletismo – Sistema filosófico que procura conciliar teses de sistemas diversos conforme critérios de verdade determinados. Procura aproveitar o que há de melhor de todos os sistemas. No século XIX o ecletismo espiritualista, que se preocupava com o uso do método introspectivo, deu origem ao chamado espiritualismo contemporâneo.
Empirismo – Posição filosófica segundo a qual todo o conhecimento humano resultaria da experiência (sensações exteriores ou interiores) e não da razão ou do intelecto. Afirma que o único critério de verdade consistiria na experiência. É essa a teoria do “ver para crer”.
Epicurismo – Nome que recebe a escola filosófica grega fundada por Epícuro (341-270 a.C.). Afirma o princípio do prazer como valor supremo e finalidade do homem, e prescreve: 1) aceitar todo prazer que não produza dor; 2) evitar toda dor que não produza prazer; 3) evitar o prazer que impeça um prazer ainda maior, ou que produza uma dor maior do que este prazer; 4) suportar a dor que afaste uma dor ainda maior ou assegure um prazer maior ainda. Por prazer entende a satisfação do espírito, proveniente de corpo e alma sãos, e nunca de Deus. Buscar prazer e satisfação apenas na saúde ou no intelecto é não ter desejo de encontrar a verdadeira fonte da felicidade.
Esoterismo – Sistema filosófico religioso oculto. Doutrina secreta só comunicada aos iniciados. O esoterismo é ocultista e caracteriza-se pelo estudo sistemático dos símbolos. Há simbologia em tudo o que existe e no estudo dessa simbologia o homem poderá compreender as razões fundamentais de sua existência. Vem a ser uma ramificação do Espiritismo.
Espiritualismo – Denominação genérica de doutrinas filosóficas segundo as quais o espírito é o centro de todas as atividades humanas, seja este entendido por substância psíquica, pensamento puro, consciência universal, ou vontade absoluta. O espírito é a realidade primordial, o bem supremo. O Espiritualismo é dualista, pluralista, teísta, panteísta e agnóstico. E o espiritismo com um nome mais sofisticado. E doutrina de demônios. Aceita a reencarnação e a evolução do espírito.
Estoicismo — Escola filosófica grega fundada por Zenão de Cítio (334-262 a.C.), sua doutrina e a de seus seguidores. O nome deriva do gr. stoa (portada) porque Zenão ensinava no pórtico de Pecilo em Atenas. O estoicismo afirma que a sabedoria e a felicidade derivam da virtude. Essa consiste em viver conforme a razão, submetendo-se às leis do universo, a fim de obter-se a imperturbabilidade de espírito (ataraxia). E uma forma de panteísmo empirista que pretende tornar o homem insensível aos males físicos pela obediência irrestrita às leis do universo.
Evolucionismo – O Evolucionismo é uma filosofia científica que ensina que o cosmos desenvolveu-se por si mesmo, do nada, bem como o homem e os animais que existem por desenvolvimento do imperfeito até chegar ao presente estado avançado. Tudo por meio de suas próprias forças. É preciso mais fé para crer nas hipóteses da Evolução do que para crer nos ensinos da Bíblia, isto é, que foi Deus que criou todas as coisas. Gênesis 1.1; 1.21,24, 25 (Introdução a Heresiologia).
Gnosticismo – Do verbo gr. gnõstikós “capaz de conhecer, conhecedor”. Significa, em tese, o conhecimento místico dos segredos divinos por via de uma revelação. Esse conhecimento compreende uma sabedoria sobrenatural capaz de levar os indivíduos a um entendimento completo e verdadeiro do universo e, dessa forma, à sua salvação do mundo mau da matéria. Opõe-se radicalmente ao mundo e ensina a mortificação do corpo e a rejeição de todo prazer físico. É panteísta e, segundo a tradição, (Atos 8.9-24) deve-se a Simão Mago com o qual o apóstolo Pedro travou polêmica em Samaria a sua difusão no meio cristao (Apologia). A maioria dos neopentecostais se enquadram nesta faixa. Haja revelação!
Humanismo – É a filosofia que busca separar o homem e todo o seu relacionamento, da idéia de Deus. O homem, nessa filosofia, é o centro de todas as coisas, o centro do universo e da preocupação filosófica. O seu surto se verificou no fim do século XIV. Marx é o fundador do humanismo comunista.
Liberalismo – É liberdade mental sem reservas. Esse sistema afirma que o homem em si mesmo é bom, puro e justo. Não há um inferno literal. O nosso futuro é incerto, a Bíblia é falível e Deus é um Pai universal, de todos, logo, por criação somos todos seus filhos, tendo nossa felicidade garantida.
Materialismo – Afirma que a filosofia deve explicar os fenômenos não por meio de mitos religiosos, mas pela observação da própria realidade. Ensina que a matéria, incriada e indestrutível, é a substância de que todas as coisas se compõem e à qual todas se reduzem e que a geração e a corrupção das coisas obedecem a uma necessidade não sobrenatural, mas natural, não ao “destino”, mas a leis físicas. Segundo essa filosofia, a alma faz parte da natureza e obedece às mesmas leis que regem seu movimento e o homem é matéria, como todas as demais coisas.
Monismo – Os sistemas monistas são variados e contraditórios, entretanto têm uma nota comum: é a redução de todas as coisas e de todos os princípios à unidade. A substância, as leis lógicas ou físicas e as bases do comportamento se reduzem a um princípio fundamental, único ou unitário, que tudo explica e tudo contém. Esse princípio pode ser chamado de “deus”, “natureza”, “cosmos”, “éter” ou qualquer outro nome.
Panteísmo – Do gr. pas, pan, “tudo, todas as coisas” e théos, “deus”. Como o próprio nome sugere, é a doutrina segundo a qual Deus e o mundo formam uma unidade; são a mesma coisa, constituindo-se num todo indivisível. Deus não é transcendente ao mundo, dele não se distingue nem se separa; pelo contrário, lhe é imanente, confunde-se com ele, dissolve-se nele, manifesta-se nele e nele se realiza como uma só realidade total, substancial (Spinoza et le panthéisme religieux).
Pietismo – Teve início no século XVIII através da obra de Philipp Spener e August Francke. E uma teoria do protestantismo liberal que dá ênfase à correção doutrinária sem deixar lugar para a experiência da fé. Interpreta as doutrinas do Cristianismo apenas à luz da experiência sentimental de cada indivíduo.
Pluralismo – Não é bem uma Escola de Pensamento, mas uma doutrina que aceita a existência de vários mundos ou planos habitados, oferecendo um âmbito universal para a evolução do espírito. Naturalmente, para cada “mundo”, um tipo de “deus”. É a doutrina desposada pelas filosofias espíritas ou espiritualistas.
Politeísmo – Crença em mais de um Deus. As forças e elementos da natureza são deuses. Há deuses para os sentimentos, para as atividades humanas e até mesmo deuses domésticos. Os hindus têm milhões de deuses que associam às suas diversas religiões.
Positivismo – Doutrina filosófica pregada por Auguste Comte, (1798-1857) que foi inspirado a criar uma religião da humanidade. Em 1848 fundou a Sociedade Positivista, da qual se originou a Igreja Positivista. O positivismo religioso ensina que nada há de sobrenatural ou transcendente. Suas crenças são todas baseadas na ciência, com culto, templos e práticas litúrgicas. É o culto às coisas criadas em lugar do Criador (Romanos 1.25).
Racionalismo – A expressão racionalismo deriva do substantivo razão e, como indica o próprio termo, é a filosofia que sustenta a primazia da razão, da capacidade de pensar. Considera a razão como a essência do real, tanto natural quanto histórico. Ensina que não se pode crer naquilo que a razão desconhece ou não pode esquadrinhar.
Unitarismo – Fundado na Itália por Lélio e Fausto Socino. Segue a linha racionalista de Erasmo de Rotterdan. Filosofia religiosa que nega a Divindade de Jesus Cristo, embora o venere. É uma filosofia criada dentro do protestantismo que afirma dentre outras coisas, a salvação de todos. Não crê em toda a Bíblia, no pecado nem na Trindade. Semelhante ao Universalismo.
Universalismo – Pensamento religioso da Idade Média que estendia a salvação ou redenção a todo gênero humano. É, talvez, o precursor do movimento ecumênico moderno. O centro da história é o povo judeu, por sua aliança com Deus e depois, a Igreja cristã. Afirma que a redenção é universalmente imposta a todas as criaturas…
E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição e negação o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição. Muitos seguirão as suas dissoluções, pelos quais será blasfemado o caminho da verdade…( 2 Pedro 2.1-3)

A Doutrina Reformada da Autoridade Suprema das Escrituras

A Doutrina Reformada da Autoridade Suprema das Escrituras

A Doutrina Reformada da Autoridade Suprema das Escrituras
por
Paulo Anglada
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doutrina que me proponho a considerar neste artigo foi de fundamental importância na Reforma Protestante do Século XVI. Em contraposição, por um lado, à doutrina católica romana de uma tradição oral apostólica e, por outro lado, ao misticismo dos assim chamados entusiastas ou reformadores radicais, os Reformadores defenderam a doutrina da autoridade suprema das Escrituras. Essa foi, portanto, a sua resposta à autoridade da tradição eclesiástica e do misticismo pessoal.
A autoridade suprema das Escrituras também é uma doutrina puritano-presbiteriana. A ela os puritanos tiveram que apelar freqüentemente na luta que foram obrigados a travar contra as imposições litúrgicas da Igreja Anglicana.1 A Confissão de Fé de Westminster professa a referida doutrina em três parágrafos do seu primeiro capítulo. No quarto parágrafo, ela trata da origem ou fundamento da autoridade das Escrituras:
A autoridade da Escritura Sagrada, razão pela qual deve ser crida e obedecida, não depende do testemunho de qualquer homem ou igreja, mas depende somente de Deus (a mesma verdade) que é o seu Autor; tem, portanto, de ser recebida, porque é a Palavra de Deus.
O parágrafo quinto aborda a questão da certeza ou convicção pessoal da autoridade das Escrituras:
Pelo testemunho da Igreja podemos ser movidos e incitados a um alto e reverente apreço pela Escritura Sagrada; a suprema excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina, a majestade do seu estilo, a harmonia de todas as suas partes, o escopo do seu todo (que é dar a Deus toda a glória), a plena revelação que faz do único meio de salvar-se o homem, as suas muitas outras excelências incomparáveis e completa perfeição são argumentos pelos quais abundantemente se evidencia ser ela a Palavra de Deus; contudo, a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo que, pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações.
O décimo e último parágrafo desse capítulo confere às Escrituras (a voz do Espírito Santo) a palavra final para toda e qualquer questão religiosa, reconhecendo-a como supremo tribunal de recursos em matéria de fé e prática:
O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas, e por quem serão examinados todos os decretos de concílios, todas as opiniões dos antigos escritores, todas as doutrinas de homens e opiniões particulares; o Juiz Supremo, em cuja sentença nos devemos firmar, não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na Escritura.
Em dias como os que estamos vivendo, em que cresce a impressão de que o evangelicalismo moderno (particularmente o brasileiro) manifesta profunda crise teológica, eclesiástica e litúrgica,2 convém considerar novamente essa importante doutrina reformado-puritana. Convém uma palavra de alerta contra antigas e novas tendências de usurpar ou limitar a autoridade da Palavra de Deus. Tal é o propósito deste artigo.

I. Definição
O que queriam dizer os Reformadores ao professarem a doutrina da autoridade das Escrituras? Que, por serem divinamente inspiradas, elas são verídicas em todas as suas afirmativas. Segundo esta doutrina, as Escrituras são a fonte infalível de informação que estabelece definitivamente qualquer assunto nelas tratado: a única regra infalível de fé e de prática, o supremo tribunal de recursos ao qual a Igreja pode apelar para a resolução de qualquer controvérsia religiosa.
Isto não significa que as Escrituras sejam o único instrumento de revelação divina. Os atributos de Deus se revelam por meio da criação: a revelação natural (cf. Sl 19:1-4 e Rm 1:18-20). Uma versão da sua lei moral foi registrada em nosso coração: a consciência (cf. Rm 2:14-15), “uma espiã de Deus em nosso peito,” “uma embaixadora de Deus em nossa alma,” como os puritanos costumavam chamá-la.3 A própria pessoa de Deus, o ser de Deus, revela-se de modo especialíssimo no Verbo encarnado, a segunda pessoa da Trindade (cf. Jo 14.19; Cl 1.15 e 3.9).
Mas, visto que Cristo nos fala agora pelo seu Espírito por meio das Escrituras, e que as revelações da criação e da consciência não são nem perfeitas e nem suficientes por causa da queda, que corrompeu tanto uma como outra, a palavra final, suficiente e autoritativa de Deus para esta dispensação são as Escrituras Sagradas.

II. Base Bíblica
A base bíblica da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras é tanto inferencial como direta.

A. Base Inferencial
É inferencial, porque decorre do ensino bíblico a respeito da inspiração divina das Escrituras. Visto que as Escrituras não são produto da mera inquirição espiritual dos seus autores (cf. 2 Pe 1.20), mas da ação sobrenatural do Espírito Santo (cf. 2 Tm 3.16 e 2 Pe 1.21), infere-se que são autoritativas. Na linguagem da Confissão de Fé, a autoridade das Escrituras procede da sua autoria divina: “porque é a Palavra de Deus.”
Isto não significa que cada palavra foi ditada pelo Espírito Santo, de modo a anular a mente e a personalidade daqueles que a escreveram. Os autores bíblicos não escreveram mecanicamente. As Escrituras não foram psicografadas, ou melhor, “pneumografadas.” Os diversos livros que compõem o cânon revelam claramente as características culturais, intelectuais, estilísticas e circunstanciais dos diversos autores. Paulo não escreve como João ou Pedro. Lucas fez uso de pesquisas para escrever o seu Evangelho e o livro de Atos. Cada autor escreveu na sua própria língua: hebraico, aramaico e grego. Os autores bíblicos, embora secundários, não foram instrumentos passivos nas mãos de Deus. A superintendência do Espírito não eliminou de modo algum as suas características e peculiaridades individuais. Por outro lado, a agência humana também em nada prejudicou a revelação divina. Seus autores humanos foram de tal modo dirigidos e supervisionados pelo Espírito Santo que tudo o que foi registrado por eles nas Escrituras constitui-se em revelação infalível, inerrante e autoritativa de Deus. Não somente as idéias gerais ou fatos revelados foram registrados, mas as próprias palavras empregadas foram escolhidas pelo Espírito Santo, pela livre instrumentalidade dos escritores.4
O fato é que, por procederem de Deus, as Escrituras reivindicam atributos divinos: são perfeitas, fiéis, retas, puras, duram para sempre, verdadeiras, justas (Sl 19.7-9) e santas (2 Tm 3.15).5

B. Base Direta
Mas a doutrina reformada da autoridade das Escrituras não se fundamenta apenas em inferências. Diversos textos bíblicos reivindicam autoridade suprema.
Os profetas do Antigo Testamento reivindicam falar palavras de Deus, introduzindo suas profecias com as assim chamadas fórmulas proféticas, dizendo: “assim diz o Senhor,” “ouvi a palavra do Senhor,” ou “palavra que veio da parte do Senhor.”6 No Novo Testamento, vários textos do Antigo Testamento são citados, sendo atribuídos a Deus ou ao Espírito Santo. Por exemplo: “Assim diz o Espírito Santo…” (Hb 3:7ss).7
A autoridade apostólica também evidencia a autoridade suprema das Escrituras. O Apóstolo Paulo dava graças a Deus pelo fato de os tessalonicenses terem recebido as suas palavras “não como palavra de homens, e, sim, como em verdade é, a palavra de Deus, a qual, com efeito, está operando eficazmente em vós, os que credes” (1 Ts 2:13). Que autoridade teria Paulo para exortar aos gálatas no sentido de rejeitarem qualquer evangelho que fosse além do evangelho que ele lhes havia anunciado, ainda que viesse a ser pregado por anjos? Só há uma resposta razoável: ele sabia que o evangelho por ele anunciado não era segundo o homem; porque não o havia aprendido de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo (Gl 1:8-12).
Jesus também atesta a autoridade suprema das Escrituras: pelo modo como a usa, para estabelecer qualquer controvérsia: “está escrito”8 (exemplos: Mt 4:4,6,7,10; etc.), e ao afirmar explicitamente a autoridade das mesmas, dizendo em João 10:35 que “a Escritura não pode falhar.”9

III. Usurpações da Autoridade das Escrituras
Apesar da sólida base bíblico-teológica em favor da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras, hoje, como no passado, deparamo-nos com a mesma tendência geral de diminuir a autoridade das Escrituras. E isso ocorre de duas maneiras: por um lado, há a propensão em admitir fontes adicionais ou suplementares de autoridade, que tendem a usurpar a autoridade da Palavra de Deus. Por outro lado, há a tendência de limitar a autoridade das Escrituras, negando-a, subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo.
Com relação à primeira dessas tendências, pelo menos três fontes suplementares usurpadoras da autoridade das Escrituras podem ser identificadas: a tradição (degenerada em tradicionalismo), a emoção (degenerada em emocionalismo) e a razão (degenerada no racionalismo). Sempre que um desses elementos é indevidamente enfatizado, a autoridade das Escrituras é questionada, diminuída ou mesmo suplantada.

A. A Tradição Degenerada em Tradicionalismo
Este foi um dos grandes problemas enfrentados pelo Senhor Jesus. A religião judaica havia se tornado incrivelmente tradicionalista. Havendo cessado a revelação, os judeus, já no segundo século antes de Cristo, produziram uma infinidade de tradições ou interpretações da Lei, conhecidas como Mishnah. Essas tradições foram cuidadosamente guardadas pelos escribas e fariseus por séculos, até serem registradas nos séculos IV e V A.D., passando a ser conhecidas como o Talmude,10 a interpretação judaica oficial do Antigo Testamento até o dia de hoje. Muitas dessas tradições judaicas eram, entretanto, distorções do ensino do Antigo Testamento. Mas tornaram-se tão autoritativas, que suplantaram a autoridade do Antigo Testamento. Jesus acusou severamente os escribas e fariseus da sua época, dizendo:
Em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens. Negligenciando o mandamento de Deus, guardais a tradição dos homens. E disse-lhes ainda: Jeitosamente rejeitais o preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição… invalidando a palavra de Deus pela vossa própria tradição que vós mesmos transmitistes… (Mc 7.7-9,13).11
O Apóstolo Paulo também denunciou essa tendência. Escrevendo aos colossenses, ele advertiu:
Cuidado que ninguém vos venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo… Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: Não manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquiloutro, segundo os preceitos e doutrinas dos homens? (Cl 2.8,20-22).
Quinze séculos depois, os Reformadores se depararam com o mesmo problema: as tradições contidas nos livros apócrifos e pseudepígrafos, nos escritos dos pais da igreja, nas decisões conciliares e nas bulas papais também degeneraram em tradicionalismo. As tradições eclesiásticas adquiriram autoridade que não possuíam, usurpando a autoridade bíblica. É neste contexto que se deve entender a doutrina reformada da autoridade das Escrituras. Trata-se, primordialmente, de uma reação à posição da Igreja Católica.
Isto não significa, entretanto, que a tradição eclesiástica seja necessariamente ruim. Se a tradição reflete, de fato, o ensino bíblico, ou está de acordo com ele, não sendo considerada normativa (autoritativa) a não ser que reflita realmente o ensino bíblico, então não é má. Os próprios Reformadores produziram, registraram e empregaram confissões de fé e catecismos (os quais também são tradições eclesiásticas). Para eles, contudo, esses símbolos de fé não têm autoridade própria, só sendo normativos na medida em que refletem fielmente a autoridade das Escrituras.
O problema, portanto, não está na tradição, mas na sua degeneração, no tradicionalismo, que atribui à tradição autoridade inerente. O tradicionalismo atribui autoridade às tradições, pelo simples fato de serem antigas ou geralmente observadas, e não por serem bíblicas. Essa tendência acaba sempre usurpando a autoridade das Escrituras.

B. A Emoção Degenerada em Emocionalismo
Outra fonte de autoridade que sempre ameaça a autoridade das Escrituras é a emoção, quando degenerada em emocionalismo. Isto quase inevitavelmente conduz ao misticismo. Na esfera religiosa, freqüentemente é dado um valor exagerado à intuição, ao sentimento, ao convencimento subjetivo. Quando tal ênfase ocorre, facilmente esse sentimento subjetivo de convicção, pessoal e interno, é explicado misticamente, em termos de iluminação espiritual e revelação divina direta, seja por meio do Espírito, seja pela instrumentalidade de anjos, sonhos, visões, arrebatamentos, etc.
Não é que Deus não tenha se revelado por esses meios. Ele de fato o fez. Foi, em parte, através desses meios que a revelação especial foi comunicada à Igreja e registrada no cânon pelo processo de inspiração. O que se está afirmando é que o misticismo copia, forja essas formas reais de revelação do passado, para reivindicar autoridade que na verdade não é divina, mas humana (quando não diabólica). Essa tendência não é de modo algum nova. Eis as palavras do Senhor através do profeta Jeremias:
Assim diz o Senhor dos Exércitos: Não deis ouvido às palavras dos profetas que entre vós profetizam, e vos enchem de vãs esperanças; falam as visões do seu coração, não o que vem da boca do Senhor… Até quando sucederá isso no coração dos profetas que proclamam mentiras, que proclamam só o engano do próprio coração?… O profeta que tem sonho conte-o como apenas sonho; mas aquele em quem está a minha palavra, fale a minha palavra com verdade. Que tem a palha com o trigo? diz o Senhor (Jr 23.16,26,28).
Séculos depois o Apóstolo Paulo enfrentou o mesmo problema. Ele próprio foi instrumento de revelações espirituais verdadeiras, inspirado que foi para escrever suas cartas canônicas. Nessa condição, ele sabia muito bem o que eram sonhos, visões, revelações e arrebatamentos. Mas, ainda assim, advertiu aos colossenses, dizendo: “Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado sem motivo algum na sua mente carnal” (Cl 2:18). Tanto Jesus como os apóstolos advertem a Igreja repetidamente contra os falsos profetas, os quais ensinam como se fossem apóstolos de Cristo, mas que não passam de enganadores.
Pois bem, sempre que tal coisa ocorre, a autoridade das Escrituras é ameaçada. O misticismo, como degeneração das emoções (não se pode esquecer que também as emoções foram corrompidas pelo pecado) tende sempre a usurpar, a competir com a autoridade das Escrituras, chegando mesmo freqüentemente a suplantá-la. Na época dos Reformadores não foi diferente. Eles combateram grupos místicos por eles chamados de entusiastas12 que reivindicavam autoridade espiritual interior, luz interior, revelações espirituais adicionais que suplantavam ou mesmo negavam a autoridade das Escrituras. Esta tem sido igualmente uma das características mais comuns das seitas modernas, tais como mormonismo, testemunhas de Jeová, adventismo do sétimo dia, etc. Entre os movimentos pentecostais e carismáticos também não é incomum a emoção degenerar em emocionalismo, produzindo um misticismo usurpador da autoridade das Escrituras.

C. A Razão Degenerada em Racionalismo
A ênfase exagerada na razão também tende a usurpar a autoridade das Escrituras. O homem, devido a sua natureza pecaminosa, sempre tem resistido a submeter sua razão à autoridade da Palavra de Deus. A tendência é sempre tê-la (a razão) como fonte suprema de autoridade. Isto foi conseqüência da queda. Na verdade, foi também a causa, tanto da queda de Satanás como de nossos primeiros pais. Ambos caíram por darem mais crédito às suas conclusões do que à palavra de Deus. Desde então, essa soberba mental, essa altivez intelectual tem tendido sempre a minar a autoridade da Palavra de Deus, oral (antes de ser registrada) ou escrita.
Por que o ser humano, tendo conhecimento de Deus, não o glorifica como Deus nem lhe é grato? O Apóstolo Paulo explica: porque, suprimindo a verdade de Deus (Rm 1:18), “…se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos… pois eles mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador…’’ (Rm 1:21-22,25).
Esta tem sido, sem dúvida, a causa de uma infinidade de heresias e erros surgidos no curso da história da Igreja. A heresia de Marcião, o gnosticismo, o arianismo, o docetismo, o unitarianismo, e mesmo o arminianismo são todos erros provocados pela dificuldade do homem em submeter sua razão à revelação bíblica. Todos preferiram uma explicação racional, lógica, em lugar da explicação bíblica que lhes parecia inaceitável. Assim, Marcião concebeu dois deuses, um do Antigo e outro do Novo Testamento. Por isso, também o gnosticismo fez distinção moral entre matéria e espírito. Já o arianismo originou-se da dificuldade de Ario em aceitar a eternidade de Cristo. Do mesmo modo, o docetismo surgiu da dificuldade de alguns em admitir um Cristo verdadeiramente divino-humano. O unitarianismo, por sua vez, decorre da recusa em aceitar a doutrina bíblica da Trindade, enquanto que o arminianismo surgiu da dificuldade de Armínio em conciliar a doutrina da soberania de Deus com a doutrina da responsabilidade humana (rejeitando a primeira).
A tendência da razão em usurpar a autoridade das Escrituras tem sido especialmente forte nos últimos dois séculos. O desenvolvimento científico e tecnológico instigou a soberba intelectual do homem. Assim, passou-se a acreditar apenas no que possa ser constatado, comprovado, pela razão e pela lógica. A ciência tornou-se a autoridade suprema, a única regra de fé e prática. E a Igreja passou a fazer concessões e mais concessões, na tentativa de harmonizar as Escrituras com a razão e com a ciência. O relato bíblico da criação foi desacreditado pela teoria da evolução; os milagres relatados nas Escrituras foram rejeitados como mitos; e muitos estudiosos das Escrituras passaram a assumir uma postura crítica, não mais submissa aos seus ensinos. Foi assim que surgiu o método de interpretação histórico-crítico em substituição ao método histórico-gramatical. Nele, é a suprema razão humana que determina o que é escriturístico ou mera tradição posterior, o que é milagre ou mito, o que é verdadeiro ou falso nas Escrituras.
Mas antes de se atribuir tanta autoridade à ciência, convém considerar a sua história. Quão falível e mutável é! A grande maioria dos “fatos” científicos de dois séculos atrás já foram rejeitados pela própria ciência. Além disso, com que freqüência meras teorias e hipóteses científicas são tomadas como fatos científicos comprovados!13

IV. Limitações da Autoridade das Escrituras
Além das tendências que acabei de considerar, propensas a usurpar a autoridade das Escrituras, existem outras, que tendem a limitar a autoridade bíblica, negando-a, subjetivando-a ou reduzindo o seu escopo. É o que têm feito a teologia liberal, a neo-ortodoxia e o neo-evangelicalismo, com relação a três dos principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras. Estas três concepções de “autoridade” bíblica precisam ser entendidas. Elas estão sendo bastante divulgadas em nossos dias, e são, em certo sentido, até mais perigosas do que as tendências anteriormente mencionadas, por serem mais sutis. Este assunto pode ser melhor entendido considerando-se os três principais aspectos da doutrina da autoridade das Escrituras: sua origem (ou base), certeza (ou convicção) e escopo (ou abrangência).

A. Origem ou Base da Autoridade das Escrituras
A origem ou base da autoridade das Escrituras, como já foi mencionado, encontra-se na sua autoria divina. As Escrituras são autoritativas porque são de origem divina: o Espírito Santo é o seu autor primário. Para os Reformadores, as Escrituras são autoritativas porque são a Palavra de Deus inspirada. Por isso são infalíveis, inerrantes, claras, suficientes, etc.
A teologia liberal (racionalista) nega a própria base da autoridade da Escritura, negando a sua origem divina. Para ela, as Escrituras são mero produto do espírito humano, expressando verdades divinas conforme discernidas pelos seus autores, bem como erros e falhas características do homem. Sua autoridade, portanto, não é divina nem inerente, mas humana, devendo ser determinada pelo julgamento da razão crítica. Eis o que afirmam: “A verdade divina não é encontrada em um livro antigo, mas na obra contínua do Espírito na comunidade, conforme discernida pelo julgamento crítico racional.”14 De acordo com a teologia liberal, “nós estamos em uma nova situação histórica, com uma nova consciência da nossa autonomia e responsabilidade para repensar as coisas por nós mesmos. Não podemos mais apelar à inquestionável autoridade de um livro inspirado.”15

B. Certeza da Autoridade das Escrituras
A certeza ou convicção da autoridade das Escrituras16 provém do testemunho interno do Espírito Santo. A excelência do seu conteúdo, a eficácia da sua doutrina e a sua extraordinária unidade são algumas das características das Escrituras que demonstram a sua autoridade divina. Contudo, admitimos que “a nossa plena persuasão e certeza da sua infalível verdade e divina autoridade provém da operação interna do Espírito Santo, que pela Palavra e com a Palavra, testifica em nossos corações.”17
O testemunho da Igreja com relação à excelência das Escrituras pode se constituir no meio pelo qual somos persuadidos da sua autoridade, mas não na base ou fundamento da nossa persuasão. A nossa persuasão da autoridade da Bíblia dá-se por meio do testemunho interno do Espírito Santo com relação à sua inspiração. Na concepção reformada, se alguém crê, de fato, na autoridade suprema das Escrituras como regra de fé e prática, o faz como resultado da ação do Espírito Santo. É ele, e só ele, quem pode persuadir alguém da autoridade da Bíblia.
Essa persuasão não significa de modo algum uma revelação adicional do Espírito. Significa, sim, que a ação do Espírito na alma de uma pessoa, iluminando seu coração e sua mente em trevas, regenerando-a, fazendo-a nova criatura, dissipa as trevas espirituais da sua mente, remove a obscuridade do seu coração, permitindo que reconheça a autoridade divina das Escrituras. O Apóstolo Paulo trata deste assunto escrevendo aos coríntios. Ele explica, na sua primeira carta, que, “o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2.14). O homem natural, em estado de pecado, perdeu a sua capacidade original de compreender as coisas espirituais. Ele não pode, portanto, reconhecer a autoridade das Escrituras; ele não tem capacidade para isso. Na sua segunda carta aos coríntios o Apóstolo é ainda mais explícito, ao observar que,
…se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus… Porque Deus que disse: de trevas resplandecerá luz —, ele mesmo resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo (2 Co 4.3-4,6).
O que Paulo afirma aqui é que o homem natural, o incrédulo, está cego como resultado da obra do diabo, que o fez cair. Nesse estado, ele está como um deficiente visual, que não consegue perceber nem mesmo a luz do sol. Pode-se compreender melhor o testemunho interno do Espírito com esta ilustração. O testemunho do Espírito não é uma nova luz no coração, mas a sua ação através da qual ele abre os olhos de um pecador, permitindo-lhe reconhecer a verdade que lá estava, mas não podia ser vista por causa da sua cegueira espiritual.
Deve-se ter em mente, entretanto — e esse é o ponto enfatizado aqui —, que esse testemunho interno do Espírito Santo diz respeito à certeza do crente com relação à plena autoridade das Escrituras, e não à própria autoridade inerente das Escrituras. A convicção de um crente de que as Escrituras têm autoridade é subjetiva, mas a autoridade das Escrituras é objetiva. Esteja-se ou não convencido da sua autoridade, a Bíblia é e continua objetivamente autoritativa. A neo-ortodoxia existencialista confunde estas coisas e defende a subjetividade da própria autoridade da Bíblia. Para eles, a revelação bíblica só é verdade divina quando fala ao nosso coração. Como dizem, “as Escrituras não são, mas se tornam a Palavra de Deus” quando existencializadas.18

C. Escopo da Autoridade das Escrituras
Essas posições da teologia liberal e da neo-ortodoxia com relação à origem e à certeza da autoridade das Escrituras são seríssimas. Contudo, talvez mais séria ainda (por ser mais sutil) é a questão relacionada ao escopo da autoridade das Escrituras.
Uma nova concepção da autoridade das Escrituras tem surgido entre os eruditos evangélicos (inclusive reformados de renome, tais como G. C. Berkouwer19), conhecida como neo-evangélica. O neo-evangelicalismo limita o escopo (a área) da autoridade das Escrituras ao seu propósito salvífico. Segundo essa concepção, a autoridade das Escrituras limita-se à revelação de assuntos diretamente relacionados à salvação, a assuntos religiosos.20
A doutrina neo-evangélica faz diferença entre o conteúdo salvífico das Escrituras e o seu contexto salvífico, reivindicando autoridade e inerrância apenas para o primeiro. Mas tal posição não reflete nem se coaduna com a posição reformada e protestante histórica. Para esta, o escopo da autoridade das Escrituras é todo o seu cânon. É verdade que a Bíblia não se propõe a ser um compêndio científico ou um livro histórico. Mas, ainda assim, todas as afirmativas nelas contidas, sejam elas de caráter teológico, prático, histórico ou científico, são inerrantes e autoritativas.21
Os principais problemas relacionados com a posição neo-evangélica quanto à autoridade das Escrituras são os seguintes: Primeiro, como distinguir o conteúdo salvífico do seu contexto salvífico? É impossível. As Escrituras são a Palavra de Deus revelada na história. Segundo, como delimitar o que está ou não está diretamente relacionado ao propósito salvífico, se o propósito da obra da redenção não é meramente salvar o homem, mas restaurar o cosmo? Que porções das Escrituras ficariam de fora do escopo da salvação? Como Ridderbos admite, “a Bíblia não é apenas o livro da conversão, mas também o livro da história e o livro da Criação…”22 Que áreas da vida humana ficariam de fora da obra da redenção? A arte, a ciência, a história, a ética, a moral? Quem delimitaria as fronteiras entre o que está ou não incluído no propósito salvífico? Admitir, portanto, o conceito neo-evangélico de autoridade das Escrituras é cair na cilada liberal do cânon dentro do cânon, e colocar a razão humana como juiz supremo de fé e prática, pois neste caso competirá ao homem determinar o que é ou não propósito salvífico.

Conclusão
Em última instância, a questão da autoridade das Escrituras pode ser resumida na seguinte pergunta: quem tem a última palavra, Deus, falando através das Escrituras, ou o homem, por meio de suas tradições, sentimentos ou razão? A resposta dos Reformadores foi clara. Embora reconhecendo que o propósito especial das Escrituras não é histórico, moral ou científico, mas salvífico, eles não diminuíram a sua autoridade de forma alguma: nem por adições ou suplementos, nem por reduções ou limitações de qualquer natureza. A fé reformado-puritana reconhece a autoridade de todo o conteúdo das Escrituras, e sua plena suficiência e suprema autoridade em matéria de fé e práticas eclesiásticas.
Tão importante foi a redescoberta destas doutrinas pelos Reformadores, que pode-se afirmar que, da aplicação prática das mesmas, decorreu, em grande parte, a profunda reforma doutrinária, eclesiástica e litúrgica que deu origem às igrejas protestantes. Todas as doutrinas foram submetidas à autoridade das Escrituras. Todos os elementos de culto, cerimônias e práticas eclesiásticas foram submetidos ao escrutínio da Palavra de Deus. A própria vida (trabalho, lazer, educação, casamento, etc.) foi avaliada pelo ensino suficiente e autoritativo das Escrituras. Muito entulho doutrinário teve que ser rejeitado. Muitas tradições e práticas religiosas acumuladas no curso dos séculos foram reprovadas quando submetidas ao teste da suficiência e da autoridade suprema das Escrituras. E a profunda reforma religiosa do século XVI foi assim empreendida.
Mas muito tempo já se passou desde então. O evangelicalismo moderno recebeu, especialmente do século passado, um legado teológico, eclesiástico e litúrgico que precisa ser urgentemente submetido ao teste da doutrina reformada da autoridade suprema das Escrituras. É tempo de reconsiderar as implicações desta doutrina. É tempo de reavaliar a nossa fé, nossas práticas eclesiásticas e nossas próprias vidas à luz desta doutrina. Afinal, admitimos que a Igreja reformada deve estar sempre se reformando — não pela conformação constante às últimas novidades, mas pelo retorno e conformação contínuos ao ensino das Escrituras.
Sabendo que a nossa natureza pecaminosa nos impulsiona em direção ao erro e ao pecado, conhecendo o engano e a corrupção do nosso próprio coração, reconhecendo os dias difíceis pelos quais passa o evangelicalismo moderno (particularmente no Brasil), e a ojeriza doutrinária, a exegese superficial e a ignorância histórica que em grande parte caracterizam o evangelicalismo moderno no nosso país, não temos o direito de assumir que nossa fé e práticas eclesiásticas sejam corretas, simplesmente por serem geralmente assim consideradas. É necessário submeter nossa fé e práticas eclesiásticas à autoridade suprema das Escrituras.
Assim fazendo, não é improvável que nós, à semelhança dos Reformadores, também tenhamos que rejeitar considerável entulho teológico, eclesiástico e litúrgico acumulados nos últimos séculos. Não é improvável que venhamos a nos surpreender, ao descobrir um evangelicalismo profundamente tradicionalista, subjetivo e racionalista. Mas não é improvável também que venhamos a presenciar uma nova e profunda reforma religiosa em nosso país. Que assim seja!

Notas
1 Ver, por exemplo, William Ames, A Fresh Suit against Human Ceremonies in God’s Worship (Rotterdam, 1633); David Calderwood, Against Festival Days, 1618 (Dallas: Naphtali Press, 1996); George Gillespie, Dispute against the English Popish Ceremonies Obtruded on the Church of Scotland (Edinburgh: Robert Ogle and Oliver & Boyd, 1844); e John Owen, “A Discourse concerning Liturgies and their Impositions,” em The Works of John Owen, vol. 15 (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1965).
2 Cf. John MacArthur Jr., Com Vergonha do Evangelho: Quando a Igreja se torna como o Mundo (São José dos Campos: Editora Fiel, 1997) e Paulo Romeiro, Evangélicos em Crise: Decadência Doutrinária na Igreja Brasileira (São Paulo: Mundo Cristão, 1995).
3 Ver capítulo sobre a “Consciência Puritana,” em J. I. Packer, Entre os Gigantes de Deus: Uma Visão Puritana da Vida Cristã (São José dos Campos: Editora Fiel, 1991), 115-132.
4 Sobre o conceito reformado de inspiração e infalibilidade (inerrância) das Escrituras, ver L. Berkhof, Introducción a la Teología Sistemática (Grand Rapids: The Evangelical Literature League, [1973]), 159-190; A. A. Hodge, Evangelical Theology: A Course of Popular Lectures (Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1976), 61-83; Loraine Boettner, Studies in Theology (Phillipsburg and New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Company, 1978), 9-49; e J. C. Ryle, Foundations of Faith: Selections From J. C. Ryle’s Old Paths (South Plainfield, New Jersey: Bridge Publishing, 1987), 1-39.
5 Cf. também Salmo 119.39, 43, 62, 75, 86, 89, 106, 137, 138, 142, 144, 160, 164, 172; Mateus 24.34; João 17.17; Tiago 1.18; Hebreus 4.12 e 1 Pedro 1.23,25.
6 Lloyd-Jones afirma que essas expressões são usadas 3.808 vezes no Antigo Testamento; e que os que assim se expressavam estavam deixando claro que não expunham suas próprias idéias ou imaginações. D. Martin Lloyd-Jones, Authority (Edinburgh and Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1984), 50.
7 Ver também Atos 28.25 e Hebreus 4.3, 5.6 e 10.15-16.
8 O termo empregado é gegraptai (gegraptai). O tempo (perfeito) indica uma ação realizada no passado, cujos resultados permanecem no presente: foi escrito e permanece válido, falando com autoridade.
9 Outras evidências da autoridade divina das Escrituras são apresentadas por Lloyd-Jones, Authority, 30-50; e por John A. Witmer, “The Authority of the Bible,” Bibliotheca Sacra 118:471 (July 1961): 264-27.
10 O Talmud inclui também a Gemara, comentários rabínicos sobre o Mishnah, escritos entre 200 e 500 AD (C. L. Feinberg, “Talmude e Midrash,” em J. D. Douglas, ed., O Novo Dicionário da Bíblia, vol. 3 (São Paulo: Edições Vida Nova, 1979), 1560-61.
11 Conferir também Mt 15.3ss.
12 Berkhof, Introducción a la Teología Sistemática, 207.
13 Um exemplo bem atual: há poucos dias atrás, cientistas anunciaram que pesquisas feitas com o DNA dos fósseis do assim chamado homem de Neanderthal — até então “inquestionavelmente” considerado um dos antepassados mais recentes do homem na cadeia evolutiva —, revelam que esses ossos nada têm a ver com a raça humana. Exemplos como estes repetem-se continuamente, e deveriam tornar-nos cautelosos em atribuir à ciência autoridade maior do que a da revelação bíblica.
14 C. Pinnock, citado por Keun-Doo Jung, “A Study of the Authority with Reference to The Westminster Confession of Faith.” (Tese de Mestrado, Potchefstroom [South Africa] University for Christian Higher Education, 1981), 45.
15 G. D. Kaufman, ibid., 45.
16 Ensinada no parágrafo V do capítulo I da Confissão de Fé de Westminster.
17 Ibid.
18 Outros dados sobre a importância da doutrina reformada da autoridade das Escrituras em relação à teologia liberal e à neo-ortodoxia podem ser obtidos em Lloyd-Jones, Authority, 30-61; John A. Witmer, “Biblical Authority in Contemporary Theology,” Bibliotheca Sacra 118:469 (January 1961), 59-67; e Kenneth S. Kantzer, “Neo-Orthodoxy and the Inspiration of Scripture,” Bibliotheca Sacra 116:461 (January 1959), 15-29.
19 Ver G. C. Berkouwer, Studies in Dogmatics: Holy Scripture (Grand Rapids: Eerdmans, 1975) e Ronald Gleason, “In Memoriam: Dr. Gerrit Cornelius Berkouwer,” Modern Reformation 5:3 (May/June 1996), 30-32.
20 Alguns eruditos têm considerado a doutrina reformada tradicional da autoridade das Escrituras conforme ensinada pelos teólogos de Princeton, tais como Charles Hodge (1797-1878), Alexander Hodge (1823-1886) e B. B. Warfield (1851-1921), como um desvio do ensino dos Reformadores e da Confissão de Fé de Westminster. Ver, por exemplo, Ernest Sandeen, The Roots of Fundamentalism: British and American Millenarianism, 1800-1930 (Chicago: University of Chicago Press, 1970). Alguns, como Jack Rogers e Donald McKim, The Authority and Interpretation of the Bible: A Historical Approach (San Francisco: Harper & Row, 1979), chegam a defender que a doutrina reformada das Escrituras encontra seus legítimos representantes em Abraham Kuyper (1837-1920) e Herman Bavinck (1854-1921), os quais teriam se antecipado aos esforços de Karl Barth e G. C. Berkouwer no sentido de restaurar a verdadeira tradição reformada. Outros, entretanto, têm demonstrado que estas teses não procedem, visto que os teólogos de Princeton estão em substancial harmonia com outros que os antecederam, e com Kuyper e Bavinck. Ver Randall H. Balmer, “The Princetonians and Scripture: A Reconsideration,” Westminster Theological Journal 44:2 (1982): 352-365; e Richard B. Gaffin, Jr., “Old Amsterdam and Inerrancy?,” Westminster Theological Journal 44:2 (1982), 250-289; 45:2 (1983): 219-272.
21 Uma demonstração da posição reformada e protestante histórica da inerrância das Escrituras em português pode ser encontrada em John H. Gerstner, “A Doutrina da Igreja sobre a Inspiração Bíblica,” em James Montgomery Boice, ed., O Alicerce da Autoridade Bíblica, 2a ed. (São Paulo: Vida Nova, 1989), 25-68.
22 Herman Ridderbos, Studies in Scripture and its Authority (Grand Rapids: Eerdmans, 1978), 24.
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